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A história de um Inverno rigoroso

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Mensagem  Admin Qua Mar 24, 2010 3:08 pm

2ª Comunicação de Yátú
Reboleira, 14 de Dezembro de 2006

A história de um Inverno rigoroso

Há milénios atrás um Inverno nunca visto caiu sobre a minha aldeia.
A neve não cessava de cair durante luas sem conta e o gelo acumulou-se ao nosso redor. A caça escasseara e o meu povo começou a passar fome. Os velhos enfraquecidos caminharam a passos largos ao encontro dos seus antepassados, outros deixaram de comer para o alimento saciar as nossas crianças.
Devido à baixa temperatura o ar quase que se tornou irrespirável. Era denso, gélido e queimava as nossas gargantas devido à falta de humidade. Tivemos de criar um espaço abrigado com peles em redor, com fogo no centro, para proteger as nossas montadas e os nossos irmãos lobos que viviam connosco, assim como outros irmãos animais que procuraram calor.
Também nós, por vezes, convidávamos um irmão lobo a dormir na tenda com o intuito de aproveitar o seu calor corporal durante a longa noite, dormindo juntos, aquecendo-nos mutuamente.
As mulheres juntaram as poucas raízes e plantas sobrantes, recolhidas no Verão passado, para fazerem caldos que passou a ser o nosso principal alimento. A carne seca à muito que escasseara e não víamos o fim da terrível tormenta.
Áquá, minha companheira, dividiu-se em mil partes para a todos auxiliar. Cuidou das crianças, deu alento às mulheres, vigiou os animais e ajudou-me na Inipi.
Sofreu terrivelmente por dentro mas, na sua linda face, o sorriso nunca desapareceu, elevando a moral do povo através do seu amor e dedicação, pois eu não tinha mãos a medir; consultava os oráculos, fala com os espíritos, tratava os doentes, ritualizava a passagem dos vencidos, através da “Canoa Sagrada” para a vida eterna, juntando os seus espíritos com os nossos antepassados e o “Grande Espírito”, de braços abertos, a todos recebia e cada um deles com o seu animal à espera.
A nossa sobrevivência, lua para lua, perigava mais mas um dia, enquanto olhava para os céus à procura de sinais e ouvia a canção do vento, o “Grande Espírito” me disse: “Para lá das grandes montanhas está a sobrevivência do teu povo. Yátú, és sábio e nunca te revoltas nem me descoras, nem permites que o teu povo o faça. Desejo-vos a graça da caça para alimentarem os vossos corpos famintos. Terão que ir ter com os irmãos búfalos e traze-los para mais perto de vós, pois eles estão longe!”
Depois de ouvir o “Grande Espírito” reuni o concelho de anciãos para dar as boas novas. Foi necessário um grupo de voluntários para tal empreitada. Ficou decidido que nenhum de nós seria obrigado a partir e respeitaríamos a tradição mesmo nesta situação calamitosa.
Juntou-se a tribo e o concelho fez-se ouvir através da voz do nosso Chefe. Como era de esperar, reuniu-se um grupo de 15 bravos guerreiros que voluntariamente ofereceram-se para esta perigosa missão.
Eles estavam bem cientes das dificuldades que se adivinhavam mas o sacrificar da própria vida para o bem da comunidade era um acto de heroísmo, dos mais louváveis entre nós que tínhamos aprendido desde os primórdios do Tempo. Não que não respeitássemos a nossa vida mas o sacrificar uma vida para salvar outras, para nós, é sempre um acto de Amor ao próximo e respeito pela existência.
Nessa noite não dormi. Passei a noite a invocar os espíritos protectores e Animais de Poder, a preparar a cerimónia de purificação e bênçãos dos guerreiros que partiriam na expedição. Áquá auxiliou-me nestas tarefas, embora sempre preocupada devido ao meu temperamento que, não raras vezes, entregava meu próprio espírito ao Universo em troca da vida da minha tribo. Ela sabia bem disso! Sabia que não hesitaria se isso me fosse pedido pelo “Grande Espírito”.
Após cumpridos os rituais, a dezena e meia de homens puseram-se a caminho. Deixaram a aldeia pela “Porta Grande” levando a nossa esperança de sobrevivência com eles.
Retirei-me para a minha tenda, assistido sempre pela Áquá. Evoquei o “Grande Corvo” para ser os meus olhos durante a jornada e, deste modo, acompanhei meus irmãos na sua longa caminhada que tiveram de enfrentar.
Foi uma grande expedição. Os perigos espreitaram a todo o momento. Forças exteriores apoderaram-se deles constantemente. Não queriam de forma alguma que fossem bem sucedidos. Três luas depois começaram-se a ferir. Os acidentes sucederam um após outro inexplicavelmente e, deste modo, não só atrasaram a caminhada como ia esmorecendo a moral do grupo. Perderam-se do caminho devido às intensas nevadas que teimaram a os acompanhar, mesmo durante o dia, fazendo umas vezes andarem em círculos, outras a aumentar a distância prevista.
Tive que pedir ajuda aos irmãos animais para me ajudarem. Um grande carvalho ouviu o meu apelo aflitivo e, por estar perto do fim dos seus dias, sacrificou-se, deixando-se cair, impedindo deste modo a continuação da expedição, obrigando-os a mudar de direcção que, deste modo, foram dar ao caminho correcto e mais rápido de chegarem à manada de búfalos.
Quando estamos em harmonia e vivemos segundo as leis, toda a Natureza nos ajuda nos nossos intentos.
Os limites das forças humanas começaram a apoderar-se deles. Uns desistiram e quiseram voltar para trás, outros pararam no caminho e preferiram esperar pelos os outros no regresso mas, outros porém, no sentido do seu dever, sabendo que a sobrevivência da tribo dependia deles, armaram-se de coragem férrea, despediram-se dos demais e, sem olharem para trás, continuaram bravamente a “grande caminhada”.
Uma lua depois da separação do grupo, encontraram uma tribo nómada que se encontrava acampada, protegida do frio regelado. Esta tribo nómada alimentou-os, cuidou das feridas e partiu em socorro daqueles que tinham ficado para trás, paralisados na caminhada.
Sabiam onde estava a manada de búfalos e ofereceram-se para nos ajudar.
Os seus guerreiros despediram-se temporariamente dos seus entes queridos e juntando-se aos meus irmãos, iniciaram a tarefa de incentivar a manada a caminhar em direcção da minha aldeia. Pouco tempo depois a tribo nómada, também ela, pôs-se em marcha para virem ao nosso encontro. A manada de búfalos, por intuição, sabia o caminho mais rápido para abeirar do meu povo e assim foi. Três luas chegaram para a manada estar a uma distância admissível para se dar início à caçada.
Saí do transe em que me encontrava e agradeci ao “Grande Corvo” por ter sido os meus olhos durante o tempo decorrido.
Reuni o concelho e dei as boas novas.
Juntámos todos os homens disponíveis e partimos para a grande caçada. As mulheres ficaram a fazer os preparativos necessários para nossa chegada. O brilho voltou, finalmente, a viver nos olhos das crianças, a esperança reinava no ar e cânticos começaram logo a serem entoados em agradecimento ao “Grande Espírito”.
Regressámos com carne suficiente para alimentar toda a tribo até ao resto do Inverno. Caçámos, tendo o cuidado de não matar cabeças a mais pois, embora esfomeados, respeitava-mos sempre a manada e o nosso irmão búfalo.
Preparámos uma grande festa. Toda a aldeia estava colorida com os nossos cantares e danças, a vida foi celebrada na sua plenitude e aguardámos a chegada, com muita alegria e profundo agradecimento, a tribo nómada que se juntou a nós.
Por todos os tempos ficou registado este acontecimento. As duas tribos celebraram, saciamos a fome, crianças das duas tribos brincaram alegremente, a camaradagem vivida entre as tribos foi de pura união, como entre dois irmãos se tratasse, a atmosfera que circundava a aldeia foi de fraternidade e, amor puro e sincero.
Depois dos festejos, as duas tribos juntas no centro da aldeia, numa só voz, agradeceram ao “Grande Espírito” pela existência, agradecemos ao “Todo” o tudo que existe e, como numa bela canção de Amor, agradecemos as bênçãos da Natureza com uma pureza nos corações que as irmãs estrelas choraram de comoção, deixando cair sobre nós as suas bênçãos de gratidão pelo nosso acreditar num dia melhor.

O Grande Espírito falou e…
Pois assim foi e assim é!
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